Crítica | 20 Dias em Mariupol - Extraordinário e extremamente necessário, o documentário vocaliza as questões éticas numa situação de extrema barbárie.

Divulgação | Synapse Distribution

Título20 Days in Mariupol (Título original)
Ano produção2022
Dirigido porMstyslav Chernov
Estreia
07 de março de 2024 (Brasil)
Duração 94 Minutos
Classificação16 - Não recomendado para menores de 16 anos
Gênero
Documentário
País de Origem
Ucrânia
Sinopse

Acompanha um grupo de jornalistas ucranianos que registram a invasão da Rússia na cidade de Mariupol. Sem saída, a equipe passa por desastres em alta escala, como o bombardeamento de um hospital-maternidade.

• Por Alisson Santos
• Avaliação - 9/10

20 Dias em Mariupol é extraordinário e extremamente necessário. Como o título indica, o documentário compila a destruição exponencial da cidade portuária de Mariupol e o extermínio intencional de seus habitantes entre fevereiro e março de 2022. Embora a história siga uma ordem cronológica, Mstyslav Chernov decide começar com imagens correspondentes à emboscada por parte de tanques russos para um hospital que serve de refúgio final para civis, jornalistas e militares ucranianos. A frenética perspectiva da câmera de Mstyslav Chernov, que vai desde observar os tanques de uma janela até se esgueirar por corredores escuros, consegue transmitir uma forte angústia e incerteza que não se compara ao que se percebe nas notícias. O documentário confirma que a cobertura internacional só conseguiu ver vinhetas de uma experiência muito mais perturbadora, à medida que o jornalista mostra como diferentes noticiários internacionais transmitiram as suas gravações de uma forma mais distante da realidade. É assim que se reconhecem as restrições paradoxais dos meios de comunicação, para expressar tudo o que uma guerra implica. 

A maior parte de 20 Dias em Mariupol é compreensivelmente composta por material típico de qualquer documentário de guerra: gritos comoventes das vítimas, destruição de edifícios, tiroteios, bombardeamentos e muitos cadáveres. No entanto, ao contrário do comum, Chernov vocaliza as questões éticas que podem surgir na mente do espectador. A crueza do material, por um lado, presta-se a uma potencial condenação pela exploração da miséria da guerra. Um dos moradores de Mariupol até grita “prostituta” para Chernov enquanto ele tenta entrevistá-lo. O fato desta crítica espontânea ter sido preservada na versão final do documentário reflete, tal como a sua própria narração, que Chernov está consciente deste dilema. Por outro lado, é inegável que a veracidade deve ser crucial, especialmente quando representantes do governo russo negaram abertamente a execução de civis. 

Divulgação | Synapse Distribution

O compromisso de Chernov com a veracidade é confirmado quando ele mostra como os habitantes de Mariupol traem a unidade e a harmonia que as vítimas da guerra muitas vezes projetam ao cair no desespero absoluto que os leva a confrontar-se nas ruas e a saquear o comércio local. Essas cenas, que não foram destacadas nos meios de comunicação para provavelmente salvaguardar a imagem da Ucrânia, são poderosas precisamente porque mostram a humanidade no seu estado mais primitivo. O mesmo se pode dizer de uma cena em que certos civis, aliados a uma absoluta desconexão da realidade, condenam as tropas ucranianas por pensarem que são elas e não os russos que estão a realizar os inúmeros bombardeios na cidade. A demonstração de ignorância é tão chocante como a deturpação que a imprensa russa faz das imagens de Chernov sobre o ataque em uma maternidade. Testemunhar trechos do noticiário russo, onde se argumenta que as vítimas do atentado são, na verdade, influenciadores ucranianos, confirmam a paradoxal fragilidade da imagem como portadora da verdade.

A narração de Mstyslav Chernov pode ser por vezes redundante, mas as suas reflexões pessoais são mais do que relevantes num contexto culturalmente estranho para a maioria de nós e numa situação de extrema barbárie que requer um toque humano. 20 Dias em Mariupol documenta tudo. O medo, a morte e o desespero. As lágrimas dos médicos dizendo a Chernov para filmar tudo para que o mundo pudesse ver. As lágrimas de homens arrastando cadáveres para valas comuns que cavaram para abrir espaço em hospitais sitiados. As lágrimas que presumimos ser derramadas pelo próprio Chernov sempre que ele abaixa a câmera e o capacete para ficar fora do campo de visão e processar o que acabou de testemunhar. Ele e sua equipe são nada menos que heróis por ousarem permanecer quando todos os outros jornalistas partiram. Heróis que os médicos e militares fizeram de tudo para proteger, para que essas atrocidades da guerra não fossem enterradas.

O documentário estreia nos cinemas brasileiros em 7 de março.

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