Crítica | Anatomia de Uma Queda - O colapso de uma relação em ruínas, contado sob o disfarce de um fascinante drama de tribunal.

Divulgação | Diamond Films

TítuloAnatomy of a Fall (Título original)
Ano produção2022
Dirigido porJustine Triet
Estreia
25 de janeiro de 2024 (Brasil)
Duração 150 Minutos
Classificação16 - Não recomendado para menores de 16 anos
Gênero
Drama - Crime
País de Origem
França 
Sinopse

A vida da escritora alemã Sandra (Sandra Hüller) desmorona quando seu marido, Samuel, é encontrado morto. Aos poucos, o julgamento deixa de ser apenas uma investigação das circunstâncias da morte de Samuel e se torna uma inquietante jornada psicológica às profundezas da relação conturbada do casal.

• Por Alisson Santos
• Avaliação - 10/10

As assassinas nos filmes costumam ser mostradas como criaturas complexas e cruéis, até um pouco desumanas. Catherine Tramell, de Sharon Stone, no filme Instinto Selvagem (1992), era cruel, distorcida, mas atraente. O mesmo que Amy de Rosamund Pike em Garota Exemplar (2014), capaz de fingir a própria morte e depois matar, para incriminar seu marido infiel. Algo de ambos os personagens está na figura principal de Anatomia de Uma Queda da diretora Justine Triet.

Sandra (Sandra Hüller) é uma romancista de sucesso com uma personalidade imperfeita. Por outro lado, seu marido é um aspirante a escritor que acaba morto em condições mais do que suspeitas. O roteiro narra com cuidado e sem excesso informações do falecido, aparentemente um homem comum com uma vida monótona. A aposta em não oferecer respostas diretas, sugere que existe um evidente desequilíbrio de entre o casal. Um, em que Sandra tem tudo para vencer. Principalmente porque ela parece menos envolvida no relacionamento do que o marido.

Todos os itens acima serão julgados quando a lei decidir que a morte de Samuel foi um homicídio. E a principal suspeita é, claro, Sandra. Mas não por seu comportamento violento, nem por qualquer tipo de indício direto que aponte sua culpa. Na verdade, o problema colocado pela personagem é se o que está sendo debatido no tribunal são seus defeitos de caráter ou suas ações. A trama mostra repetidas vezes como tudo relacionado ao incômodo da acusada é testado e debatido como um mal maior. A grande questão de saber se ela foi realmente capaz de matar Samuel permanece em segundo plano. 

Divulgação | Diamond Films

A fotografia de Simon Beaufils contextualiza os personagens sem dizer muito. Com tons suaves e frios, ângulos simétricos e planos silenciosos, ele faz com que o público também faça parte do júri que deve decidir sobre um assassinato. Além disso, as mudanças de ângulo e foco, dá a sensação de que tudo acontece em tempo real. Mas a questão que não está resolvida – não imediatamente – é se Sandra tinha motivos, possibilidades ou mesmo intenção de matar Samuel. A diretora e o roteiro aproveitam o sentimento de frieza do réu em relação ao caso para brincar com as expectativas. Sandra parece não se importar com a acusação. Você fica perplexo com esse distanciamento emocional em relação à morte. É este ponto de vista, é um dos mais interessantes numa discussão que, aos poucos, deixa claro que a justiça nunca responderá o que aconteceu com Samuel. 

Um dos elementos mais brilhantes do filme é a sua capacidade de abranger diversos temas, sem mostrá-los com clareza. Lentamente, a história avança, mas sem nunca ser óbvia. Portanto, a possível culpa de Sandra é sempre um mistério que continua a desafiar o espectador a tirar uma conclusão. Por um lado, as suas contradições, mentiras e fatos ocultos são suspeitos, mas não são graves nem constituem crime. No outro extremo, a possibilidade de ela ter assassinado e de uma armadura imperfeita a proteger de ser presa é um mistério que divide os debates. 

Anatomia de Uma Queda não pretende que a sua conclusão seja um veredito. Ou, em todo caso, que isso seja o mais importante para refletir sobre o que Sandra fez ou poderia fazer. Na realidade, o roteiro é hábil o suficiente para levar toda a história a terrenos mais complexos. Para isso, aponta para a possibilidade de que todo ser humano no mundo seja a combinação de seus defeitos e virtudes. O que nos leva à seguinte conclusão: se fôssemos julgados por estas contradições, o que aconteceria?

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