Conto | Terror em uma Mente no Abismo

Divulgação | Mundo dos Heróis 

• Por Alisson Santos

"Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você."

–Friedrich Nietzche

Há algo olhando para mim no canto do meu quarto. Eu lanço um olho meio aberto em direção ao meu celular em uma tentativa de ver que horas são. 3:00 DA MANHÃ. Claro. Todos nós vemos coisas tarde da noite. Talvez depois de uma noite estressante de sono, eu acorde e veja algo saindo da brecha do meu guarda-roupa. Tenho certeza de que as pessoas já viram sombras e ouviram barulhos estranhos na calada da noite. Eu posso explicar a maioria deles. Depois que seu cérebro está no modo “sono”, por falta de um termo melhor, sua percepção não é calibrada como durante o dia. Quantas vezes você já viu uma pilha de roupas em uma cadeira ou no canto e confundiu com uma das criações mais hediondas do diabo ? Espero que o que estou vendo agora seja apenas uma pilha de roupa.

Não é uma pilha de roupa. Enquanto meus olhos e cérebro trabalhavam horas extras tentando me garantir que não era um intruso ou um demônio, ouvi uma respiração silenciosa de ar vindo da pilha de roupas. Uma pequena corrente de ar vazando do que parecem ser pequenos orifícios no rosto. Você consegue imaginar quantas vozes e pensamentos passam pela sua cabeça quando você percebe que alguém ou alguma possível divindade está em sua casa, observando você dormir ? Esta coisa estava escura. Como eu disse, são 3 da manhã. Esta coisa é uma massa de energia mais negra que a noite. Meu quarto é bastante espaçoso. Eu acho que isso está tornando isso mais perturbador. 

Agora que meus olhos estão se ajustando à noite, eu consigo ver o que parecem ser as pernas em uma... posição agachada, eu acho. Os braços se misturam à massa negra, mas posso ver claramente os dedos apoiados na cômoda. Não quero descrever a boca. Eu luto para controlar o tremor em minhas extremidades. Estou deitado de costas, braços ao lado do corpo e pernas retas. Eu não ouso me mover. Mas preciso ver quanto tempo se passou desde que acordei. O movimento ocular mais lento e doloroso da história e vejo que são 3h02. Porr*!

Eu posso sentir as lágrimas começando a cair lentamente dos meus olhos pelo meu rosto. Eu ainda não ouso me mexer. Nesse ponto, tudo o que posso fazer é fechar os olhos e rezar com força para voltar a dormir. Antes de fazer isso, eu pego mais um vislumbre da coisa. Ainda agachada, ainda olhando em minha direção e um pouco mais perto. O pânico realmente começa a se instalar agora. O que é isso ? Por que está aqui ? Eu tento dar uma olhada melhor agora que está mais perto. Ainda escuro, ainda olhando, observando, julgando.

Eu com vinte e quatro anos. Trabalho como segurança para um conhecido empresário. NÃO trabalhei diretamente para ele, mas para uma das muitas empresas que ele criou. Estou parado do lado de fora de um de seus prédios, enquanto um bloco de carnaval rolava. Enquanto me certificava de que nossa área estava segura, tive a visão de um sem-teto caminhando no meio da multidão. Ele parecia...encantado. FOI uma visão única. Ele estava absorvendo o espetáculo como qualquer outra pessoa. Esfarrapado, machucado, quebrado, ele ainda tirou um momento do que eu presumiria ser uma existência terrível para aproveitar com um sorriso no rosto.

Divulgação | Mundo dos Heróis 

Eu estremeci. Esqueci momentaneamente que estava dividindo meu quarto com uma criatura. Não me movi desde que notei isso. Agora estou apoiado em ambos os cotovelos, respirando muito mais pesadamente do que gostaria. Agora está muito mais perto de mim. Estou plenamente consciente agora. Meus pensamentos correm para minha noiva. Eu fiz um pedido para que ela se casasse comigo em Machu Picchu, no Peru. Seu espírito, seu amor. Nunca conheci um ser humano que tivesse tanto amor para dar.

Agora estou envolvido em uma competição de olhares fixos com essa coisa. Surpreendentemente, ele se move ligeiramente para trás. Ainda não fazendo mais barulho ou abrindo mão de nenhuma emoção. Eu decido olhar descaradamente para o tempo. 6:30 da manhã. Por que essa coisa simplesmente não me mata ? Estou perdendo a vontade de continuar. Estou sem forças. Nunca tive tanto medo na minha vida. Ele desliza lentamente para longe da minha cama, para sua posição original. 

Não sei se isso é mental, mas o cheiro de porco invade meu nariz. Com a luz do sol invadindo minhas persianas que não estavam totalmente fechadas, vejo uma nova visão desta entidade... humana, desde seu torso até seu rosto. Um rosto que agora está mais iluminado. E... sorrindo. Vários dentes à mostra. Dentes pingando sangue e saliva. O cheiro está me deixando tonto. Como a carcaça de um animal morto assando no calor do deserto. A pior parte é como esse cheiro me faz sentir mal. Fisicamente me dá náuseas. Essa parte eu posso tentar lidar. Mentalmente, o cheiro me faz sentir... medo. Estou com medo. Eu deveria ter sido melhor. Melhor para todos. Eu sou uma decepção.

...

- O que você acha, perito Marcos ?

"Nenhuma impressão digital sem ser da vítima, nenhum vestígio de arrombamento, nada foi roubado, nenhum desavença conhecida. A hipótese mais aceita é o SUICÍDIO! Bem...o corte em seu pescoço é irregular. É como ele tivesse reprimido sua ação em meio ao ato em diversos momentos."

- Alguma carta de despedida ?

“Parece que nossa vítima estava escrevendo algo. Descrevendo... descrevendo algo perverso vindo para em sua direção... eu não entendo totalmente."

- Algum histórico psiquiátrico familiar ?

"A mãe da vítima sofria de esquizofrenia"

- Ok! Vamos investigar.

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